TRIUNFO DA CEGUEIRA

Galeria EspaçoMar

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Triunfo da Cegueira

Artista

Patrícia Sumares

O CRÂNIO, A PELE:

um olhar sobre a escultura de Patrícia Sumares. 

Diante de uma imagem – por muito recente ou contemporânea que seja –, também o passado nunca cessa de se reconfigurar, já que esta imagem só se torna pensável numa construção da memória, senão mesmo do assombro.

Georges Didi-Hubermann. Diante do Tempo (2017)

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O trabalho artístico de Patrícia Sumares tem representado, desde cedo, a figura humana em diferentes fases do seu desenvolvimento. Os corpos apresentam-se em conjuntos densos que criam padrões ritmados que evocam, por seu turno, o tempo, através de outras imagens, anacrónicas, abertas ao diálogo, ao pensamento e à procura de sentidos.

Em 1994 a instalação “Criações” apresentada na Galeria ISAD dá a ver um aglomerado de corpos de bebés, modelados em diversas posições e iluminados com um único foco de luz que conferiu, ao conjunto escultórico, uma dramática encenação de onde os infantes, a partir de um centro, se deslocam em direção à penumbra e ao desconhecido.

Em 2001, em “A Parábola dos Cegos” é apresentado um conjunto escultórico de alvas figuras de vulto redondo com os olhos vendados, enfileiradas como que numa marcha lenta e silenciosa, mas onde se pressente uma queda anunciada. O título remete-nos para a pintura renascentista de Pieter Bruegel que assenta, por sua vez, na passagem bíblica de Mateus (15:14): “Deixai-os; são cegos condutores de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova”.

A referência à cegueira surge ainda abordada, em 2009 na instalação apresentada na exposição PHG através de um vasto conjunto de pequenas figuras de cerâmica branca, aladas, com vendas nos olhos, reunidas em grupo, algumas em posição orante, outras jacentes no chão, como que rendidas à incapacidade do voo e da libertação.

A intertextualidade que existe no trabalho escultórico de Patrícia Sumares revela, ainda, sinais claros de uma inquietação metafísica e espiritual que vem de longe. Formas do passado parecem ter migrado para o imaginário da artista, que subverte a familiaridade das formas, desloca pontos de vista e reinventa novas relações que mantêm acesas algumas questões essenciais, humanas, através da escultura, esse lugar aparentemente capaz de nos tornar aptos a tocar as regiões do pensamento, apesar do interior da nossa cabeça, como notou Didi-Huberman (2009), continuar invisível aos nossos olhos.

A integridade dos corpos antropomórficos presentes nas primeiras instalações, deram lugar, a pouco e pouco, à representação parcial, das cabeças com expressões de sorriso ambíguo, que, como uma pele, têm revestido tantas superfícies e lugares no espaço público. Um exemplo claro dessa plasticidade que nos olha fixamente foi a Porta 41, uma peça escultórica realizada em 2011 para a Rua de Santa Maria, no Funchal, através da qual centenas de representações de pequenas cabeças infantis, em cerâmica branca, interpelavam os transeuntes. Uma pequena caixa-espelho encastrada nesta obra de simultânea tactilidade e pensamento, refletia e convocava para o interior a cabeça dos observadores, relembrando o crânio-lugar, eternamente insondável, preenchido de invenções e imagens visuais, numa extensão do aparelho psíquico que é, também, a moradia singular do pensamento do cada indivíduo.

Esta porta fechada, vista a partir de dentro, transportava-nos para junto da vertigem dos anjos incorpóreos, com as cabeças organizadas num padrão espesso, próximo daquelas que o imaginário da pintura cristã, tantas vezes mostra na modelação dos espaços que prefiguram a transição entre o terreno e o transcendente, como nas pinturas de Bergognome (Fig.1) e Jerónimo Jacinto Espinosa (Fig.2).

O trabalho de Patrícia Sumares parece alinhar-se com a conceção de escultura de Didi-Huberman, definida como um campo de tensão entre a superfície visível e o que está oculto, no interior. A escultura passa, com efeito, a ter o valor de pele pois é capaz de desenvolver uma espacialidade que a experiência visível não consegue, de todo, circunscrever; vai além dos objetos e centra-se nos lugares por onde passa, atenta aos volumes como configuração do oculto, num processo onde o toque da mão do escultor sobre a matéria é a via para fazer sugerir o próprio invisível a partir do visível.

Em 2015 Patrícia Sumares apresentou “Tu és pó e ao pó voltarás”, um projeto de grande escala desenvolvido para o Colégio dos Jesuítas, no Funchal. A atenção dada à arqueologia do barro cru, parecia estar unida com a arqueologia do criador/sujeito/escultor, expondo a memória da sua própria carne, do seu próprio pensamento que, uma vez mais, revelou estar no sentido de uma abordagem temática de natureza espiritual, ao evocar a passagem dos Génesis (3-19) que, a partir de Adão (Adaam – terra), relembra-nos que é na terra que está a matéria com que fomos criados e que a ela voltaremos.

Centenas de rostos-máscaras, modelados com barro de tonalidades diferentes, com o registo de fisionomias e semblantes tomados pela artista a partir de modelos ao natural, surgiram, ora dentro de caixas empilhadas, a formar paredes, ora dispostos no chão num tapete organizado para virar pó. Um ano depois, parte remanescente da mesma instalação, foi remontada no Centro Cultural John dos Passos, na Ponta do Sol, numa versão de lugar escultórico, imersivo e vertiginoso, desencadeado, quer pelo jogo da ótica nos espelhos utilizados, quer pelo assombro provocado pela consciência da condição transitória que a todos toca.

O mais recente trabalho de Patrícia Sumares, no espaço público, remonta a 2017 e tem por título “Parede de Memórias”, uma intervenção que incorporou os trilhos da matéria e da semântica, percorridos nos trabalhos anteriores, mas apresentando-se com uma escala nunca antes experimentada pela artista.

A aglomeração inicial das pequenas cabeças de anjos sorridentes deu lugar à modelação de cabeças humanas à escala real. Dezenas de pessoas voluntariaram-se para que a artista reproduzisse a anatomia dos seus crânios e a expressão dos rostos, inscrevendo-os na memória do tempo, com desejo de perenidade. Na impossibilidade de garantir a fixação eterna, seja do que for, Patrícia Sumares trouxe o céu redentor, espelhado, em forma de pássaros.

Martinho Mendes, outubro de 2018



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THE SKULL, THE SKIN: an overview of Patrícia Sumares’ works in sculpture.

When contemplating an image – no matter how recent or contemporary it might be – the past is also being constantly reconfigured, given that the image can only be conceived as a construct of memory, if not of wonderment.

Georges Didi-Hubermann. Contemplating Time (2017)

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Patrícia Sumares’ artistic work has sought, from early on, to represent the human form in the various stages of its development. The bodies are displayed in dense clusters which produce the effect of rhythmic patterns which, in turn, evoke time through other images that are anachronistic and thought provoking, open to discussion and a search for meanings.

In 1994, the installation Creations, displayed at the ISAD Gallery, presented an agglomerate of baby bodies, modelled in different poses and illuminated by one single focal light that imbued the sculptural ensemble with a dramatic setting, in which the babies seem to be moving away from a central point towards darkness and into the unknown.

In 2001, her Parable of the Blind presented a sculptural ensemble of pale white, round shaped, blindfolded figures displayed in a single file, as if they were in a slow and silent march, where the foreboding of an imminent fall is ever present. This work’s title is a reference to the renascence painting by Pieter Brueghel that was inspired by the bible saying in Mathew (15:14, KJV): “Let them alone: they be blind leaders of the blind. And if the blind lead the blind, both shall fall into the ditch”.

The theme of blindness is present again in the 2009 installation shown at the PHG exhibit, in the form of a vast ensemble of tiny, white, winged and blindfolded, ceramic figures; gathered in a group, some are kneeling in prayer, others are lying on the ground, as if surrendering to their inability to fly and be free.

The intertextuality that is present in Patrícia Sumares’ sculptural works reveals clear signs of a metaphysical and spiritual disquiet that is connected to the past. Forms from another time seem to have migrated into the artist’s imaginary, subverting the familiarity of shapes, skewing points of view, and reinventing new relations; maintaining the relevance of essential human issues through sculpture, in a way that lets us connect with the deepest regions of our thoughts, even though our inner world remains invisible to our eyes, as noted by Didi-Huberman (2009).

The integrity of the anthropomorphic bodies present in the earlier installations, has been gradually replaced by a partial representation of heads displaying ambiguous smiles; which, like a skin, has covered so many surfaces and places in the public space. A clear example of that plasticity which stares back at us was Porta 41; a sculptural work created in 2011 for the Rua de Santa Maria, a historical street in Funchal. This work was made up of hundreds of representations of tiny baby heads, in white ceramic, which confronted passers-by. Encased in this work, which was simultaneously tactile and contemplative, a small mirrored box reflected and captured the onlooker’s head, integrating it into the sculpture; and in so doing, creating awareness of a skull-place – forever unfathomable, full of invention and visual imagery; an extension of the human psyche and home to our thoughts.

            This closed door, seen from inside, takes us up to the vertiginous heights of incorporeal angels, their heads arranged in a dense pattern, reminiscent of the imagery of Christian paintings, in the way these modelled spaces that prefigured the transition between the earthly and the transcendent – as can be seen in the paintings of Bergognome (Fig.1) and Jerónimo Jacinto Espinosa (Fig.2).

Patrícia Sumares work seems to align with Didi-Huberman’s concept of sculpture, defined as a tension field between the visible surface and that which lies hidden beneath. In this way, the sculpture functions as a skin, as it is able to develop a spatial quality that the visible experience is unable, in any way, to circumscribe. It transcends mere objects and centres on the places through where it passes, highlighting volumes as configurations of the unseen; in a process in which the touch of the sculptor’s hand upon matter is the means by which the invisible is intimated through the visible.

In 2015, Patrícia Sumares presented You Are Dust, and unto Dust You Shall Return, a large-scale project developed for the Colégio dos Jesuítas, in Funchal. It is apparent, in this work, that the attention given to the archaeology of the raw clay is intertwined with the archaeology of the creator/subject/sculptor; exposing the memory of her own flesh and mind which, once again, seems to point to a thematic approach of a spiritual nature, bringing to mind the passage in Genesis (3-19) which reminds us that it is from the earth (Adam/Adaam) whence we were created and to which we will return.

Hundreds of face-masks – modelled in clay of diverse tonalities, displaying the physiognomies and likenesses that the artist took from real-life models – were displayed in a variety of forms: from being placed in stacked up boxes; to arrangements that formed walls; or even placed on the ground in the form of a carpet, which was destined to become dust. A year later, a remainder of that same installation was reassembled at the Centro Cultural John dos Passos, in Ponta do Sol; presenting visitors with a version of a sculptural space that produced a vertiginously immersive effect on onlookers, through the optical effects produced by the mirrors and the wonderment that comes with acknowledging the ephemeral nature of the human condition.

Patricia Sumares’ most recent work in the public space, was in 2017 and titled Wall of Memories; an intervention that incorporated previously treaded paths, in materials and meanings, by the artist in earlier works, but taking on a scale never before attempted by her. The ensemble of tiny smiling angel heads, found in her previous works, was replaced by life-size models of human heads. Dozens of people volunteered so that the artist could reproduce the anatomy of their skulls and their facial expressions, inscribing them in time, in an endeavour for perpetuity. Unable to promise eternal permanence of anything, Patrícia Sumares gives us, instead, the sky mirrored in the form of a seagull.

Martinho Mendes, October 2018

 
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Patrícia Sumares cativou os alunos com uma bem conseguida exposição na “Gonçalves Zarco”

Artigo FN - Luís Rocha - 17 de Outubro de 2018 - Fotografias de Luís Rocha

Muito bem conseguida a exposição da artista plástica madeirense Patrícia Sumares na galeria Espaçomar. A mostra, intitulada “Triunfo da Cegueira”, foi planeada especificamente para aquele espaço artístico da Escola Gonçalves Zarco, no Funchal, e foi inaugurada hoje, com a presença de autarcas da CMF e do presidente da Junta de Freguesia de São Martinho, além de responsáveis escolares.

A exposição comissariada por Luís Guilherme de Nóbrega apresenta-se como uma excelente síntese dos trabalhos desenvolvidos pela artista ao longo de quase duas décadas e meia. Até custa, na realidade, a crer no que se conseguiu apresentar num espaço tão limitado, num jogo espacial que demonstra claramente a mestria expositiva dos seus responsáveis. O resultado é uma bem articulada mostra que percorre várias intervenções emblemáticas realizadas por Patrícia Sumares no decurso da sua carreira. E uma proposta artística bastante sedutora e surpreendente para os alunos, cujas reacções de curiosidade e espanto aquando da inauguração foram bem elucidativas. De resto, a própria artista, numa breve alocução, convidou-os a “sonhar” e a alargar sempre os seus horizontes.

Aqui, apresenta-lhes uma abordagem ampla e global ao seu trabalho artístico. “Como a exposição é feita num espaço escolar, numa galeria que pertence à Escola, o que tentei fazer foi uma pequena retrospectiva, como quem pára um bocadinho e reflecte, meditando naquilo que até agora criei”, disse Patrícia ao Funchal Notícias.

“Tentei também criar também uma intervenção única para este espaço, nomeadamente a janela da galeria, como se fosse a alma deste lugar. Esta é, portanto, uma intervenção que é nova. Os restantes trabalhos já foram expostos, como a porta que esteve patente na Rua de Santa Maria, ou o jogo de espelhos, que é uma forma de atrair os jovens a este espaço e à arte, à qual, infelizmente, os alunos tendem a ser cada vez mais indiferentes (…)”, acrescentou.A intervenção com recurso a espelhos é de facto muito curiosa, parece ampliar substancialmente o espaço da galeria e projectar uma perspectiva até ao infinito, para cima e para baixo, causando nos visitantes uma quase sensação de vertigem que é, efectivamente, divertida e surpreendente. “A arte tem de cativar”, diz Patrícia Sumares. Foi o que tentou fazer, numa tentativa de motivar os jovens estudantes. Aparentemente, pelo que vimos na inauguração, realmente conseguiu-o.



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‘Triunfo da Cegueira’ põe à vista Patrícia Sumares

Artigo do DN de 17 de Outubro de 2018 - Paula Henriques

Exposição inaugura hoje na Espaçomar com obras novas e antigas

Artista plástica e professora, Patrícia Sumares encontra-se com os alunos da Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco num contexto fora da sala de aula, mas ainda assim de âmbito pedagógico e com muito para explorar. São suas as obras de ‘Triunfo da Cegueira’, uma exposição individual com inauguração hoje 14 horas na galeria Espaçomar. Lá apresenta novos trabalhos e outros mais... 

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Patrícia Sumares Inaugura Exposição. Saiba onde.

Artigo do JM de 17 de Outubro de 2018

Texto de Claúdia Silva e Fotografias de Joana Sousa

A artista plástica Patrícia Sumares inaugurou hoje a exposição "O Triunfo da Cegueira" na Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco.

Para os interessados, as obras estarão patentes até 14 de dezembro na galeria espaçomar.
O projeto é constituído por peças bi e tridimensionais. Patrícia Sumares encontrou na escultura uma forma de expressar uma inquietação metafísica e espiritual.
A artista, que já participou em algumas exposições coletivas e individuais desde 1994, licenciou-se em Artes Plásticas/Escultura pelo ISAD. Atualmente, é docente na Escola Básica e Secundária da Calheta.

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MULTIMÉDIA - JM - 17 de Outubro de 2018 -

Fotos de Joana Sousa

21 FOTOS DA EXPOSIÇÃO 'TRIUNFO DA CEGUEIRA'

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Patrícia Sumares propõe uma mostra de obras e instalações marcantes dos seus últimos 24 anos de trabalho.

Artigo de FN - Luís Rocha - 16 de Outubro de 2018

A artista plástica madeirense Patrícia Sumares, como já foi anunciado, inaugurará uma exposição de sua autoria, intitulada “Triunfo da Cegueira”, na galeria Espaçomar, da Escola Gonçalves Zarco, no Funchal. A mostra tem o acto inaugural marcado para as 14 horas do dia 17 do corrente, quarta-feira.

De acordo com a própria artista, um dos objectivos principais “é o de  mostrar no meio escolar ao qual o espaço expositivo está associado, obras e instalações marcantes nestes últimos vinte e quatro anos de produção artística”.

Numa das paredes, estará patente uma porta que Patrícia Sumares realizou para o “Projectos das Portas Abertas”, uma iniciativa artística na Rua de Santa Maria, no Funchal. Depois de algumas dissenssões, a porta acabou por ser retirada e a artista levou-a para sua própria casa, onde se encontrava até agora. É possível, agora, novamente contemplá-la.

Por outro lado, explica Patrícia Sumares, foi recriada a instalação que a mesma apresentou no Centro Cultural John dos Passos em 2016, com algumas adequações, não só tendo em conta a adaptação ao espaço mediante uma nova leitura, como integrando uma nova peça que dá origem ao título da exposição.

Essa peça foi recuperada da instalação “A parábola dos Cegos” (distinguida com menção honrosa na edição de 2001 do prémio Henrique e Francisco Franco) e que agora é apresentada como um troféu.

Além destes trabalhos, “será apresentada uma nova peça que irá ocupar o interior da janela e que tem por base o trabalho desenvolvido actualmente com caras, caras estas que agora se apresentam-sorridentes”, explica Patrícia.

Por forma a complementar estas peças, serão apresentadas algumas fotografias das intervenções de maior referência realizadas durante estas duas últimas décadas, explica a artista. Esta exposição tem curadoria de Luís Guilherme de Nóbrega.

Sobre o trabalho artístico de Patrícia Sumares refere o artista e museólogo Martinho Mendes que o mesmo tem representado, desde cedo, a figura humana em diferentes fases do seu desenvolvimento. “Os corpos apresentam-se em conjuntos densos que criam padrões ritmados que evocam, por seu turno, o tempo, através de outras imagens, anacrónicas, abertas ao diálogo, ao pensamento e à procura de sentidos”, refere.

“Em 2001, em “A Parábola dos Cegos” é apresentado um conjunto escultórico de alvas figuras de vulto redondo com os olhos vendados, enfileiradas como que numa marcha lenta e silenciosa, mas onde se pressente uma queda anunciada. O título remete-nos para a pintura renascentista de Pieter Bruegel que assenta, por sua vez, na passagem bíblica de Mateus (15:14): “Deixai-os; são cegos condutores de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova””.

Conforme aponta, há outras referência à cegueira mais tarde no trabalho de Patrícia.

“A intertextualidade que existe no trabalho escultórico de Patrícia Sumares revela, ainda, sinais claros de uma inquietação metafísica e espiritual que vem de longe. Formas do passado parecem ter migrado para o imaginário da artista, que subverte a familiaridade das formas, desloca pontos de vista e reinventa novas relações que mantêm acesas algumas questões essenciais, humanas, através da escultura, esse lugar aparentemente capaz de nos tornar aptos a tocar as regiões do pensamento, apesar do interior da nossa cabeça, como notou Didi-Huberman (2009), continuar invisível aos nossos olhos”, refere Martinho Mendes.

“A integridade dos corpos antropomórficos presentes nas primeiras instalações, deram lugar, a pouco e pouco, à representação parcial, das cabeças com expressões de sorriso ambíguo, que, como uma pele, têm revestido tantas superfícies e lugares no espaço público. Um exemplo claro dessa plasticidade que nos olha fixamente foi a Porta 41, uma peça escultórica realizada em 2011 para a Rua de Santa Maria, no Funchal, através da qual centenas de representações de pequenas cabeças infantis, em cerâmica branca, interpelavam os transeuntes. Uma pequena caixa-espelho encastrada nesta obra de simultânea tactilidade e pensamento, refletia e convocava para o interior a cabeça dos observadores, relembrando o crânio-lugar, eternamente insondável, preenchido de invenções e imagens visuais, numa extensão do aparelho psíquico que é, também, a moradia singular do pensamento do cada indivíduo”, relembra.

“O trabalho de Patrícia Sumares parece alinhar-se com a conceção de escultura de Didi-Huberman, definida como um campo de tensão entre a superfície visível e o que está oculto, no interior. A escultura passa, com efeito, a ter o valor de pele pois é capaz de desenvolver uma espacialidade que a experiência visível não consegue, de todo, circunscrever; vai além dos objetos e centra-se nos lugares por onde passa, atenta aos volumes como configuração do oculto, num processo onde o toque da mão do escultor sobre a matéria é a via para fazer sugerir o próprio invisível a partir do visível”, acrescenta.

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Patrícia Sumares expõe na Escola Gonçalves Zarco a partir do dia 17

Artigo de FN - 10 de Outubro de 2018

A artista plástica madeirense Patrícia Sumares vai realizar uma exposição intitulada “O Triunfo da Cegueira” na Galeria Espaçomar, na Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco.

O evento tem data marcada para o dia 17 de Outubro, quarta-feira, pelas 14 horas, e permanecerá patente até meados de Dezembro do corrente ano.

Esta exposição é constituída por uma instalação e por peças bi e tridimensionais.

“A artista encontrou na escultura uma forma peculiar de expressar uma inquietação metafísica e espiritual. No portfólio da artista  consta a participação em algumas exposições colectivas e individuais  que vão desde 1994 à actualidade”, refere uma nota de imprensa.

Nascida em 1969 no Jardim do Mar, concelho da Calheta – Madeira, Patrícia Sumares é licenciada em Artes Plásticas/Escultura pelo ISAD (Instituto Superior de Arte e Design da Madeira). É docente da Escola Básica e Secundária da Calheta.

Naquele concelho desenvolveu uma actividade notável durante um período memorável, enquanto coordenadora da Galeria dos Prazeres.

Tem protagonizado intervenções artísticas que denotam grande aplicação e persistência na criação dos meios através dos quais pretende passar uma mensagem artística anti-conformista e que muitas vezes desafia as instituições e os costumes, forçando, mesmo quase contra vontade, o fruidor a confrontar-se com as suas próprias inconsistências. Por vezes, essas instalações apresentam uma dinâmica quase chocante, como quando apresentou, no espaço arcaico do Colégio dos Jesuítas (reitoria da UMa, no Funchal) uma instalação na qual centenas de pequenas faces humanas em gesso se destinavam a ser calcadas (e partidas, e reduzidas a pó) pelos próprios visitantes da exposição.

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Artigo de DN - 10 de Outubro de 2018

PATRÍCIA SUMARES expõe “ O Triunfo da Cegueira”

Exposição Inaugura no Espaçomar no dia 17 - Texto de PAULA HENRIQUES

Patrícia Sumares inaugura no dia 17 uma exposição individual na galeria Espaçomar, da Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco. A artista plástica apresenta ‘O Triunfo da Cegueira’, para descobrir a partir das 14 horas. Os trabalhos vão ficar patentes ao público até 14 de Dezembro, revela a direcção do espaço.

Neste regresso às exposições, Patrícia Sumares apresenta uma instalação e peças bi e tridimensionais, revela a nota de divulgação. “A artista encontrou na escultura uma forma peculiar de expressar uma inquietação metafísica e espiritual”, refere o mesmo texto, onde é possível ler ainda que a artista plástica madeirense, presente com algumas obras públicas nomeadamente na Ponta do Sol e no Jardim do Mar, participa em exposições colectivas e individuais desde 1994.

Sumares nasceu em 1969 no Jardim do Mar, é licenciada em Artes Plásticas/Escultura pelo Instituto Superior de Arte e Design da Madeira (ISAD).

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O TRIUNFO DA CEGUEIRA' EM EXPOSIÇÃO NA GONÇALVES ZARCO

Artigo JM - 10 de Outubro de 2018

A exposição 'O Triunfo da Cegueira', da artista plástica Patrícia Sumares, será inaugurada no dia 17 de outubro de 2018, quarta-feira, às 14:00h, na galeria espaçomar, da Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco, e estará patente até meados de dezembro do corrente ano .

Esta exposição é constituída por uma instalação e peças bi e tridimensionais. 

A artista encontrou na escultura uma forma peculiar de expressar uma inquietação metafísica e espiritual. No portfólio da artista consta a participação em algumas exposições coletivas e individuais que vão desde 1994 à atualidade.

Nasceu em 1969 no Jardim do Mar, concelho da Calheta - Madeira, é licenciada em Artes Plásticas/Escultura pelo ISAD (Instituto Superior de Arte e Design da Madeira). Docente da Escola Básica e Secundária da Calheta.

Mural de Memórias - Ponta do Sol - Escultora Patrícia Sumares

Patrícia Sumares apresenta-nos um mural escultórico de grandes dimensões, composto por mais de três mil rostos realizados a partir de duzentos e cinquenta moldes recolhidos não só junto da população do município da Ponta do Sol, mas também entre turistas e pessoas que mostraram interesse em participar no projeto. Para esse efeito a artista tem vindo a realizar os moldes dos rostos no seu ateliê, ao longo deste último ano entre as duas edições do festival Aqui Acolá, captando a essência de cada fisionomia e convocando o público a participar ativamente no seu trabalho. O espetador tem assumido um papel de co-criador, na medida em que participa na conceção da obra, emprestando o seu rosto, tornando-se uma parte viva do próprio painel. Mais do que meros rostos, são expressões e sentimentos de uma comunidade, são histórias de vida e memórias coletivas. São paisagens humanas de esperança que revelam um certo sentido de espiritualidade e de união cívica.

O rosto e as questões simbólicas que lhe estão subjacentes têm sido um tema recorrente no trabalho de Patrícia Sumares, através de instalações escultóricas que propõem um olhar filosófico sobre a vida, a perenidade, a esperança e a memória. A subtileza e poesia do seu discurso visual tem vindo a caracterizar a sua abordagem à escultura, criando peças que funcionam enquanto metáfora da condição humana.

Ao contrário das obras artísticas mais convencionais que caracterizam boa parte da arte pública instalada na Madeira, a artista propõe uma intervenção artística de caráter comunitário, uma vez que convoca uma parte dos cidadãos para “darem a cara” pelo projeto. Esta relação de cooperação e parecia criativa insere-se no espírito da arte pública que desenvolve um compromisso social, que valoriza e promove a participação efetiva da sociedade na criação artística. Por outro lado, reflete um esforço no sentido de desmistificar a arte, tornando-a acessível aos cidadãos, já que permite o seu envolvimento direto e a partilha do ato criativo. Entende-se, assim, a arte enquanto catalisador de energias coletivas e desenvolvimento do potencial humano.

Mas não é apenas através dos diferentes rostos que a artista estabelece uma relação específica com o local onde será realizada a intervenção artística. A contrastar com o fundo, surge um conjunto de silhuetas de aves que caracterizam a fauna madeirense. Estas formas espelhadas, com acentuada dinâmica visual, emergem do mural criando diversas possibilidades fruitivas, através da sua forte interação com o espaço circundante. Tal verifica-se quer através do jogo de reflexos que proporciona com a paisagem envolvente, quer por meio da exploração de diferentes efeitos cromáticos derivados da incidência da luz. As superfícies espelhadas não só duplicam a paisagem, criando novas relações espaciais, como distorcem a perceção visual, introduzindo uma nova dimensão no trabalho.

Nesta organização intercalada de formas, observa-se a exploração de valores expressivos de luz e sombra, que funcionam como um verdadeiro estímulo à imaginação do espetador que ali descobre diversas associações simbólicas. Apela também a uma introspeção contemplativa dos transeuntes que observam a obra, proporcionando uma certa identificação coletiva.

José Pedro Regatão

 

Patrícia Sumares presents us with a sculptural mural of large proportions, composed of over three thousand face sculptures. These were created from two hundred and fifty molds of not only local residents of Ponta do Sol, but also tourists and others who showed an interest in taking part in this project. To this end, the artist has been creating the face molds at her atelier over this past year (in between the two editions of the Aqui Acolá festival), capturing the essence of each physiognomy and calling upon the public at large to take an active part in her work. The onlooker takes on the role of co-creator, insofar that they participate in the making of the work, “lending” their face and becoming a living part of the panel itself. But they are more than mere faces; they are the expressions and feelings of a community, its life stories and collective memories. They are human landscapes of hope which reveal a certain sense of spirituality and civic union.

The face and its underlying symbolic issues have been a recurring theme in Patrícia Sumares work, through sculptural installations that propose a philosophical examination of life, the perennial, hope, and memory. The subtlety and poetry of her visual discourse have come to characterize how she approaches the art of sculpture, creating pieces that function as metaphors for the human condition.

Contrary to the more conventional artworks that make up a large part of Madeira’s public art, the artist proposes an artistic intervention with a sense of community, as it calls upon the citizens to “show their faces” for the project. This cooperative relationship and creative partnership is intrinsic to the spirit of a public art that foments a societal commitment to the valorization and promotion of an effective participation of society in the artistic endeavor. The artist’s work also reflects an effort to demystify Art itself, making it accessible to the common citizen, since it allows for their direct involvement in and sharing of the creative act. In this sense, art can be seen as a catalyzer for the collective energy and development of the human potential.

However, it is not merely through the different faces that the artist establishes a specific relationship with the locale where the artistic intervention is to take place. Contrasting with the background, a “flock” of bird silhouettes, characteristic of Madeira’s fauna, appears. These mirrored shapes, imbued with an intense visual dynamic, emerge from the mural creating a diversity of fruitive possibilities, through their forceful interaction with the surrounding space. This is achieved through the interplay of their reflective surfaces with the encompassing landscape, and through exploring different chromatic effects produced by the way the light is focused. The mirrored surfaces not only duplicate the landscape, creating new spatial relations, but also warp the visual perception, introducing another dimension to the work.

In this intercalated organization of shapes, one can observe how the expressive values of light and shadow are wrought so as to truly stimulate the onlookers’ imagination—leading to the discovery of its diverse symbolic associations. It also calls for an introspective contemplation from its onlookers, giving rise to a sort of collective identification.

José Pedro Regatão

Patrícia Sumares: uma instalação a não perder no Centro John Dos Passos

Texto de Luís Rocha In Funchal Notícias - 5 de Maio de 2016

Por entre caixotes carregados de faces elaboradas em cerâmica, as mesmas que se destinavam a ser calcadas e esmagadas pelos próprios pés dos visitantes da primeira exposição ‘tu és pó e ao pó voltarás’, que esteve patente na Reitoria da UMa, no Funchal, encontramos também a oportunidade de contemplar, quase como de uma perspectiva aérea, uma curiosa paisagem, quiçá terrestre, quase lunar, onde, entre as faces humanas desencarnadas e os seus fragmentos, descobrimos uma ‘cratera’, como se ali tivesse embatido um meteorito. As nossas noções de escala e percepção são alteradas, e – pelo menos pessoalmente e tal como na exposição que a esta antecedeu – descubro-me de imediato, e com certa angústia, a perscrutar o interior em busca de interpretações sobre o significado humano algures oculto por detrás desta instalação. _Intuo, sei que no âmago da mesma estão profundas interrogações, irónicas umas, amargas outras, sobre o desprezo que o ser humano sente pelo seu semelhante, e sobre a natureza solitária e por vezes injusta e insignificante da existência.A artista plástica Patrícia Sumares inaugurou ontem no Centro Cultural John Dos Passos uma instalação intitulada ‘tu és pó e ao pó voltarás II’, espécie de ‘remake’, em escala menor, da notável instalação apresentada em finais do ano passado na Reitoria da Universidade da Madeira. Pode-se dizer, sem risco de erro, que nesta instalação Patrícia volta a demonstrar claramente os atributos criativos que fazem dela uma artista provocadora e interessante, com uma visão simultaneamente profunda e tocante nos temas que apresenta e, simultaneamente, um cuidado formal extremo com os aspectos cénicos e, quase diríamos, mesmo dramáticos gerados no enquadramento das peças que produz e da sua expressividade.

A atenção que coloca na mais perfeita adequação possível das obras geradas no seu percurso predominantemente escultórico com o meio ambiente envolvente também é digna de nota. Desta feita, Patrícia Sumares transformou uma pequena sala de exposições do Centro John Dos Passos num verdadeiro abismo, quase um estranho portal dimensional, em que as nossas noções espaciais são curiosamente alteradas pela colocação de dois espelhos, um no tecto, outro no chão, que multiplicam quase ao infinito a própria imagem do fruidor.

Sem grandes pretensões, esta é apenas uma leitura possível desta mostra de Patrícia Sumares. Que vale o que vale, e termina apenas com esta exortação: vale a pena ver e acompanhar o trabalho desta artista madeirense, que para nós e cada vez mais, se tem revelado das mais interessantes.

Ciclo de Conferências reflete sobre o fenómeno da arte contemporânea

Notícia in DN Madeira - 23 de dezembro de 2015

A Universidade da Madeira (UMa), através da Faculdade de Artes e Humanidades (FAH), em colaboração com a EXIT Artistas – Agência de Promoção dos Artistas Plásticos Madeirenses, vai organizar nos dias 21 e 22 de dezembro, no Auditório da Reitoria, ao Colégio dos Jesuítas, o ciclo de conferências sobre “Arte e Poder - Arte Pública”.
Durante dois dias, um prestigiado painel de oradores, composto por Arlete Silva, galerista da Galeria 111; Duarte Encarnação, docente da FAH-UMa; José Pedro Regatão, docente e investigador; Miguel Amado, curador do Middlesbrough Institute of Modern Art; e Vítor Magalhães, docente da FAH-UMa, vai debater temas como ‘Arte Pública em Portugal’, ‘Novas Linguagens Artísticas’, ‘A Arte Pública na Madeira’, ‘Fiçção e poder. Dispositivos trans-narrativos da imagem’, ‘Uma abordagem à Arte Pública em Portugal do monumento perene à efemeridade da arte urbana’ e ‘Arte Útil: de John Ruskin à Viragem Social’.

 

 
Este ciclo é desenvolvido no âmbito do curso de Arte e Multimédia da FAH-UMa e assume-se como oportunidade para uma reflexão e difusão do fenómeno da arte contemporânea junto da comunidade. Tem como destinatários os estudantes de arte, arquitetura, design, cultura e comunicação, artistas e agentes culturais, e os professores de artes visuais, estando a ação acreditada pela DRE para efeitos de progressão na carreira dos professores dos grupos de recrutamento 140, 240 e 600.
A participação é livre mediante inscrição no endereço http://tinyurl.com/arte-e-poder.
Ainda no contexto do ‘Arte e Poder’, será inaugurada no dia 22 de dezembro, às 19h00, no Colégio Jesuítas, a instalação escultórica da artista plástica Patrícia Sumares, com o título: “tu és pó, e pó voltarás”, que estará patente ao público até 15 de fevereiro de 2016.

Patrícia Sumares: arte apontada ao coração

Texto de Luís Rocha in Funchal Notícias - 24 de dezembro de 2015

Enquanto metáfora da sociedade contemporânea, é um trabalho de notável força e pertinência, capaz de ir direito ao coração do fruidor. A instalação da artista plástica madeirense Patrícia Sumares pode ser vista até Fevereiro no Colégio dos Jesuítas, local para o qual foi cuidadosamente pensada e onde o seu enquadramento funciona de modo quase perfeito. É nos antigos corredores daquele vetusto edifício que se pode ver um autêntico ‘tapete’ de fragmentos de cerâmica, representando rostos. Alguns ainda se encontram inteiros, outros foram reduzidos a migalhas pelos pés dos visitantes que inauguraram a mostra, no dia 22 de Dezembro.

A inauguração desta exposição foi o culminar de um programa que incluiu conferências e debates realizados na reitoria da Universidade da Madeira pela agência de promoção de artistas madeirenses ‘Exit Artistas’, de Luís Guilherme de Nóbrega, antigo responsável pela programação expositiva do Centro das Artes Casa das Mudas, hoje convertido em museu de arte contemporânea. Luís Guilherme é o marido de Patrícia Sumares, ela própria ex-responsável pela programação de exposições na Galeria dos Prazeres, e auxiliou-a de muitas maneiras na concepção desta exposição – inclusive partilhando o extenso e interminável labor de modelar as diferentes faces que se destinavam a ser calcadas pelos visitantes da exposição.

Foi um trabalho que durou mais de um ano e cuja intensidade pudemos testemunhar. Um longo percurso para elaborar uma obra artística que celebra, em si mesma, a efemeridade das pessoas e das coisas, e a transitoriedade da própria existência. ‘Tu és pó e ao pó voltarás’ é como se intitula a instalação. E a mesma ‘mexeu’ decididamente com os sentimentos dos que estiveram na ocasião inaugural. Ao contrário de muitas obras contemporâneas, o seu significado é facilmente apreendido por quem a vê, e a mesma contém uma violência à qual é difícil permanecer impassível. Afinal, trata-se de caras de outros seres humanos, aquelas que somos convidados a esmagar com os nossos próprios pés, ao percorrermos o trilho.

A artista põe o dedo na ferida. Numa época fortemente individualista, em que a ambição pessoal se sobrepõe a todos os outros valores, em que a solidariedade é praticamente uma palavra vã, quantos de nós, para alcançar dinheiro, sucesso, reconhecimento, não nos predispomos a calcar sem piedade outros seres humanos para conseguirmos ascender às posições que ambicionamos? Muitos, certamente, que passam nesta quadra natalícia por bons cristãos, não terão a consciência tranquila. E é nela que Patrícia Sumares nos convida a pôr a mão, analisando aquilo a que estamos dispostos, para manter ou sacrificar a nossa integridade.Por outro lado, as relações entre arte e poder dominaram o debate realizado na reitoria da UMa, paralelo à exposição e que, numa acção de formação creditada pela Secretaria Regional da Educação, congregou no auditório múltiplas personalidades madeirenses e continentais do mundo da arte, entre as quais professores universitários, comissários de exposições e galeristas, como José Pedro Regatão, Miguel Amado, Duarte Encarnação, Vítor Magalhães ou Arlete Alves da Silva, entre outros.Como refere Luís Guilherme de Nóbrega num texto alusivo a esta exposição e apresentado numa das paredes do Colégio dos Jesuítas: “A instalação da artista plástica Patrícia Sumares questiona o mundo actual transversalmente com o material que mais gosta de usar numa combinação e diálogo copulativos ao espaço do Colégio dos Jesuítas onde o registo de atividade religiosa, militar e civil complementaram a história deste local. A argila surge da mistura do pó com a água num material por si intimamente relacionado com a escultora e com a sua forma de intervencionar em silêncio como se de uma oração se tratasse, multiplicando-a através da repetição contínua das peças. Fruto de várias experiências vivenciais no percurso da artista, esta nova abordagem, sem divergir da figuração habitual da sua obra, remete-nos para os conflitos étnicos, culturais, económicos e políticos da actualidade e levam-nos a uma descredibilizada forma como a nossa sociedade, em especial a detentora do poder organiza, gere e decide sobre os recursos que legitimamente são de todos nós (…) Nesta instalação a artista coloca o público numa situação de co-criador, o qual é também responsável pela constante mutação estética da obra (…)”.A instalação pode ser visitada, como dissemos, até Fevereiro e até lá estará em permanente transformação. Ao lado do extenso corredor por onde se estende o ‘tapete’ de caras realizadas em argila, Patrícia Sumares preencheu um outro pequeno corredor, mostrando como a instalação se encontrava à partida, quando ainda estava absolutamente intacta. O acto inaugural foi, naturalmente, mais intenso do que serão visitas subsequentes à exposição, embora estas se mostrem indispensáveis até para constatar o processo transformador. Mas foi quando as primeiras caras foram partidas sob os pés dos fruidores que as emoções estiveram ao rubro. E foram devidamente registadas com recurso a vídeo, projectado na própria ocasião. É interessante observá-las. Algumas pessoas fizeram o seu percurso destruidor de uma forma intensa e impiedosa, quase catártica. Finalmente, sentiram a necessidade de desviar-se para o lado, deixando de calcar as faces dos seus semelhantes. Outras iniciaram o percurso pelos lados, para depois finalmente se decidirem a encetar o seu papel activo na transformação da obra, esmagando algumas caras. E não faltou quem procurasse colher os mais diversos instantâneos fotográficos do modo como as caras caídas e estilhaçadas se amontoavam em estranhas combinações, por vezes sinistras, por vezes comoventes. Este foi um trabalho intenso e provocador – como é costume verem-se poucos na cena artística regional. Não é de estranhar que os políticos primassem pela ausência, inclusive aqueles que pertencem a um ‘selecto’ círculo com poderes decisores sobre arte, museologia e, em termos gerais, cultura.Honra seja feita ao presidente da Câmara Municipal da Calheta, Carlos Teles, e ao vice-reitor da UMa, Sílvio Fernandes, que se dignaram estar presentes, constituindo a excepção ao desinteresse oficial.